Em meio à Guerra da Ucrânia, exercícios militares russos e norte-americanos em torno da ilha do Caribe servem como demonstração de força

Marinha russa em Cuba
Foto: Reynel Diaz/CNN


Após décadas de relações um tanto distantes, Rússia e Cuba estão trabalhando juntas novamente — desta vez, como parte da guerra de Vladimir Putin na Ucrânia.

Começando por volta do aniversário da invasão em fevereiro de 2023, autoridades russas de alto escalão estabeleceram um fluxo constante de visitas públicas a Cuba. Quase um mês se passou sem uma visita de alto nível Rússia-Cuba.


Em março, Nikolai Patrushev, secretário do Conselho de Segurança da Rússia, e Igor Sechin, o poderoso diretor da petrolífera estatal russa Rosneft, reuniram-se com líderes em Havana.

Então, em abril, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, visitou a ilha como parte de uma viagem regional que incluiu outros dois adversários americanos — Venezuela e Nicarágua.

As visitas aconteceram nos dois sentidos. Em junho, o primeiro-ministro cubano Manuel Marrero Cruz visitou a Rússia por mais de dez dias, incluindo uma reunião com Putin.

Alvaro Lopéz Miera, o ministro da Defesa cubano, viajou a Moscou no final do mês para discussões com seus colegas russos — incluindo Sergei Shoigu, um dos notórios arquitetos da guerra na Ucrânia.

Shoigu anunciou que “Cuba foi e continua sendo o aliado mais importante da Rússia na região [do Caribe]”. Shoigu prometeu que Moscou estava “pronta para prestar assistência à ilha da liberdade e apoiar nossos amigos cubanos”.

Da mesma forma, o vice-ministro das Relações Exteriores de Cuba, Gerardo Peñalver, descreveu os dois países como “aliados estratégicos” que cooperam contra “medidas coercitivas unilaterais” de Washington.



Amigos com benefícios


Isso foi mais do que retórica. A Rússia prometeu fornecer petróleo e vários suprimentos industriais a Cuba. Segundo uma estimativa, Moscou já enviou à ilha mais de US$ 160 milhões (cerca de R$ 765 milhões) em petróleo este ano. E as agências de notícias russas anunciaram que haverá suprimentos adicionais.

Cuba agora recebe voos diretos da Rússia (os voos haviam sido suspensos após a invasão da Ucrânia) e aderiu ao sistema de pagamento Mir, criado por Moscou para facilitar a conversão de rublos em pesos e outras moedas para turismo, comércio e ajuda. Mais de mil executivos e funcionários do petróleo russo devem visitar Cuba até o final do ano.

Seguiu-se a ajuda militar. No início deste mês, o navio da marinha russa Perekop desviou para Cuba da frota do Mar Báltico do país a mais de 11 km de distância. O navio transportou cerca de 100 cadetes navais russos, assistência humanitária e vários equipamentos para a ilha.

O embaixador russo e o vice-comandante da Marinha Russa participaram da elaborada cerimônia de chegada do navio, simbolizando que este foi o início de uma colaboração mais profunda.


Rússia e América flexionam músculos no Caribe


Os laços militares entre Moscou e Havana são claramente projetados para desafiar os EUA, para mostrar o que o presidente cubano Miguel Diaz-Canel chamou de “apoio incondicional” ao “choque da Rússia com o Ocidente”. Embora o governo Obama tenha começado a abrir relações com Cuba em 2014, os governos Trump e Biden voltaram a isolar o regime, enfatizando o conflito sobre a cooperação.

Além de aprofundar as conexões com a Rússia, Cuba permitiu que a China construísse uma instalação secreta de espionagem na ilha. A base chinesa faz parte do que a comunidade de inteligência dos EUA identifica como um esforço chinês mais amplo para interceptar as comunicações americanas, roubar segredos e se preparar para o aumento da concorrência.

Também lembra a instalação de inteligência de sinais de Lourdes, um posto de escuta construído pelos soviéticos e depois desativado pela Rússia no início dos anos 2000.

Essas provocações da Rússia, China e Cuba já motivaram uma forte resposta do Pentágono. Enquanto o navio russo navegava para Cuba, os EUA enviaram um submarino movido a energia nuclear, o USS Pasadena, para a base americana na Baía de Guantánamo.

Oficialmente vendida como uma “parada logística”, isso foi um alerta e uma demonstração de força. O Ministério das Relações Exteriores de Cuba condenou a visita submarina como uma “escalada provocativa”. A Marinha dos EUA disse que a medida “não é sem precedentes”.

Ambos os lados estão corretos. A Rússia e os EUA entraram em uma espiral de escalada em torno de Cuba: Putin está expandindo as atividades militares russas perto dos EUA em resposta ao que ele vê como uma presença militar americana ameaçadora perto de suas fronteiras, e Washington está respondendo flexionando seus músculos muito maiores no Caribe.

A Casa Branca quer que o Kremlin (e a China) reconheçam que devem limitar seu apoio a Cuba e respeitar os interesses americanos.



Memórias da Guerra Fria


Essa dinâmica olho-por-olho ameaça causar um desastre rápido. Esse foi o caso, é claro, no início dos anos 1960. Temendo o cerco militar e o isolamento do Ocidente, o líder soviético Nikita Khrushchev voltou-se para Cuba como um ponto de pressão conveniente contra Washington.

Khrushchev esperava intimidar o ex-presidente norte-americano John F. Kennedy a desistir de apoiar os esforços anticomunistas na Alemanha Ocidental e outras partes da Europa. Ele acreditava que implantar mísseis nucleares de curto alcance em Cuba convenceria o presidente americano de que era muito arriscado desafiar o poder soviético em outras regiões.

É provável que Putin acredite em coisas semelhantes hoje. E ele também está enganado. Quando a Casa Branca soube da escalada de Moscou em outubro de 1962, o presidente Kennedy e seus assessores imediatamente reagiram com força — uma quarentena naval de Cuba e preparativos para lançar um ataque à ilha se os mísseis não fossem removidos imediatamente.

Avanço rápido de seis décadas e o presidente Biden e seus conselheiros provavelmente adotarão respostas semelhantes se souberem da continuação da escalada militar russa ao sul da Flórida. A atual estratégia de segurança nacional inclui o compromisso de evitar a interferência estrangeira na região. Como em outubro de 1962, os EUA e a Rússia podem se encontrar próximos de um confronto militar direto em torno de Cuba no final de 2023 ou início de 2024.

Quanto mais desesperado Putin ficar na Ucrânia, mais ele desafiará os EUA no Caribe. A oportunidade é muito tentadora para um ditador — Khrushchev ou Putin — procurando dissuadir os compromissos americanos na Europa.

Quanto mais a administração Biden se sentir desafiada pela Rússia e pela China em Cuba, mais ela vai querer mostrar força. Washington responderá à escalada militar russa em Cuba com sua própria força crescente, como já fez com o recente desdobramento de um submarino nuclear.

Em um ano de eleição presidencial, as pressões para flexionar os músculos só aumentarão, especialmente porque as imagens marcantes das mortes americanas durante a retirada do Afeganistão em 2021 são exploradas pelos oponentes republicanos de Biden.



Evitando a armadilha da escalada


Como Washington pode evitar essa armadilha de escalada? O presidente Biden e seus assessores devem agir de forma decisiva, como fez a equipe de Kennedy em outubro de 1962, para reverter as tentações russas em Cuba e o oportunismo da China. A administração deve enviar uma mensagem clara de que a intervenção militar estrangeira na região apenas endurecerá os compromissos americanos na Europa e no Caribe.

Biden deve mostrar que agirá de maneira disciplinada para limitar o acesso de russos e chineses, incluindo a parada de navios estrangeiros, quando necessário e legal conforme as sanções existentes.

O presidente também deve oferecer incentivos a Putin para recuar em Cuba, como Kennedy fez com Khrushchev. Em 1962, os EUA prometeram publicamente não invadir Cuba e secretamente concordaram em remover os antigos mísseis “Júpiter” da Turquia, depois que a Rússia retirou seus mísseis cubanos.

Em 2023, os EUA devem reafirmar seu compromisso de evitar ataques diretos ao território soberano russo, apesar do contínuo apoio militar americano à Ucrânia, e Washington deve prosseguir discretamente com Moscou com o objetivo de uma retirada pacífica das forças russas de toda a Ucrânia.

Os EUA devem deter a escalada de Putin e encorajar sua moderação. Devem interromper ativamente as atividades de espionagem chinesa no Caribe.

A história dos acontecimentos de 60 anos atrás mostra que há um forte imperativo para evitar erros de cálculo, antes que seja tarde demais. A escalada militar em torno de Cuba é uma tentação perigosa para a Rússia e uma armadilha difícil para os EUA.

As ações de Kennedy não acabaram com a Guerra Fria após a Crise dos Mísseis de Cuba, mas estabeleceram diretrizes para relações russo-americanas estáveis ​​ao redor da ilha que duraram até o final do século XX.

O presidente Biden deve fazer o mesmo, antes que nos encontremos em mais uma crise cubana.

CNN Brasil