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Quatro anos depois, decreto de Raquel repete pressa e erro de Bolsonaro e Onyx Lorenzoni

Raquel Lyra
Crédito: instagram/@raquellyraoficial

No dia seguinte à posse de Jair Bolsonaro, em 2019, o então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni demitiu, de uma só vez, todos os 320 funcionários que ocupavam cargos comissionados em sua pasta. O objetivo, segundo ele, era “despetizar” o governo, mesmo o presidente anterior sendo Michel Temer, do MDB, e a máquina pública federal recheada de indicados pelo Centrão. Dois dias depois, voltou atrás, pois são exatamente os funcionários da Casa Civil que preparam os atos de nomeação e exoneração dos outros setores do governo e já não havia ninguém para fazer isso.

Foi impossível não relacionar o decreto 54.393, assinado pela governadora Raquel Lyra, no dia 2 de janeiro, à decisão tomada pelo governo Bolsonaro, exatamente quatro anos antes. A pernambucana, no entanto, foi além, aprofundando o erro de Lorenzoni.

Ao contrário do que afirmou na postagem feita ontem à noite – “pra mudar, faremos as coisas de jeito diferente do passado” – demitir os cargos comissionados do governo anterior não é nenhuma novidade. Aliás, é quase um rito de passagem: em 1999, Jarbas demitiu quem era vinculado a Miguel Arraes; em 2007, o neto de Arraes, Eduardo Campos, livrou-se dos jarbistas. O próprio Lula acaba de exonerar 1.204 bolsonaristas em uma canetada só.

As novidades, na verdade, foram outras:

Primeiro, ao cancelar as licenças e retirar as funções gratificadas dos servidores efetivos que exerciam funções específicas de gerência, assessoria e apoio, ela desagradou a milhares de funcionários de quem dependerá para executar políticas públicas em seu mandato. Cargos comissionados não recebem essas gratificações nem têm direito a licenças, só os concursados. Nesse caso, houve um recuo parcial da governadora, que incluiu as equipes de gestão das escolas e alguns serviços essenciais entre as exceções.

Segundo, convocar os servidores efetivos que estão cedidos para outras esferas de poder, sem combinar previamente com os presidentes dos tribunais, da Assembleia Legislativa, do Ministério Público e das prefeituras. São nesses locais que os servidores estão atuando. E para cada uma dessas instituições, há um convênio regulamentando os empréstimos.

Ontem, conversei com alguns sindicalistas que lidam rotineiramente com o Governo do Estado. Nenhum deles estava preocupado com a exoneração dos comissionados. Todos estranharam as duas decisões que mencionei acima.

O presidente do Sindicato dos Servidores de Pernambuco (Sindserpe), Renilson Oliveira, definiu o decreto como “açodado e ansioso”. Ele me antecipou que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) enviará um ofício pedindo que o assunto seja discutido na “mesa geral de negociação”, uma instância legal, que reúne uma vez por mês os representantes dos servidores e do governo. “Ela tomou posse falando em diálogo, então vamos recorrer a essa disposição da governadora”, me disse Renilson.

Mesmo evitando pegar pesado na crítica a um governo que está em seus primeiros dias, Renilson acredita que o decreto de Raquel Lyra criou uma “instabilidade emocional desnecessária” no serviço público pernambucano.

No Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol), o humor estava mais amargo do que entre a diretoria do Sindserpe. Apesar de também defender que a questão seja discutida na mesa de negociações, a nota assinada por Rafael Cavalcanti, atual presidente da entidade, fala em levar o caso à Justiça: “o departamento jurídico está fazendo um estudo sobre toda a abrangência e situações abarcadas pelo decreto e já está atuando pela imediata revogação do mesmo”.

A diretoria do Sinpol argumenta que “o artigo 112 do Estatuto dos Servidores não concede discricionariedade à Administração Pública Estadual nem à Chefe do Executivo o poder de impedir o direito à concessão da licença prêmio, que deverá ser concedida ao servidor quando preenchidos os requisitos legais”. Trocando em miúdos: o servidor tem direito à licença-prêmio quando tiver condições legais para isso, não quando a governadora quiser.

Arquivo fechado e outros problemas

A medida já provocou alguns problemas pontuais na gestão. O Arquivo Público Estadual, cuja sede fica na rua do Imperador, fechou as portas nesta quarta-feira, sem data para reabrir. A maioria dos seus funcionários são cedidos pela secretária estadual de Educação, que têm até quinta-feira para se reapresentar.

O Sindicato dos Servidores do Detran de Pernambuco (Sindetran) informou que as operações de Lei Seca estão ameaçadas, pois a maior parte dos seus integrantes eram cedidos ao Detran pela Polícia Militar e secretaria estadual de Saúde. O Governo do Estado negou essa possibilidade.

Se, há quatro anos, as demissões da Casa Civil do governo Bolsonaro provocaram situações que entraram para o anedotário da política em Brasília, em Pernambuco já há relatos de servidores cedidos que se procuraram os setores de recursos humanos das secretarias de origem, mas não havia ninguém lá para acolher as reapresentações, pois todos também tinham retornado aos seus locais de lotação originais. Quem me contou isso foi Renilson Oliveira, sem dizer quais seriam essas repartições.

Um dos primeiros sindicatos a reagir, ainda na manhã da terça-feira, foi o Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), alertando para a possibilidade da decisão gerar caos nos serviços de atendimento, pois ao menos mil profissionais de saúde terão de deixar seus atuais espaços de trabalho até a quinta-feira, o que deixaria vazios alguns plantões e unidades de saúde. Hoje, quarta-feira, o sindicatos das profissionais acompanhou o alerta do Simepe.

Durante dois dias, pelas redes sociais e WhatsApp da Marco Zero, várias queixas de problemas de atendimento em serviços públicos. Uma dessas reclamações, dizia respeito Pelo mesmo motivo, na Farmácia do Estado, que funciona dentro da sede da secretaria de Saúde distribuindo os medicamentos do SUS, pacientes e parentes de pessoas doentes não conseguiram ser atendidos nessa quarta-feira.

Os impactos do decreto até organizações não governamentais ligadas à Articulação do Semiárido (ASA), que não fazem parte do organograma do poder público. As entidades esperavam, há dois meses, que o Governo de Pernambuco aprovasse a prestação de contas do projeto de revitalização de nascentes de seis bacias hidrográficas do estado. Com o trabalho realizado, precisam da aprovação para poderem receber as verbas e realizar os pagamentos tanto dos profissionais quanto de fornecedores. Agora, as ONGs não sabem nem a se queixar, pois a equipe responsável pela gestão de recursos hídricos foi completamente desfeita, com servidores efetivos afastados e comissionados demitidos.

Mal estar institucional

A reação do presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), Ranilson Ramos, na manhã de terça-feira, deixou claro que Raquel Lyra determinou a publicação de decreto sem avisar os demais poderes e órgãos de controle que contam com servidores cedidos pelo governo de Pernambuco em suas equipes. No TCE, por exemplo, há 80 servidores estaduais que terão de deixar suas tarefas. Ramos avisou que vai pedir prorrogação do prazo de cinco dias para que viabilizar a transição.

Na prefeitura do Recife, o decreto atingiu em cheio áreas vitais da administração da capital. A secretaria municipal de Finanças, Maíra Fischer, por exemplo, é servidora da secretaria estadual de Planejamento e Gestão. Fred Amâncio, secretário municipal de Educação, é consursado da secretaria estadual da Fazenda. A titular da pasta de Saúde, Luciana Albuquerque Bezerra, também é servidora estadual e já chegou a ser secretária-executiva de Vigilância em Saúde do estado. O chefe da Defesa Civil do Recife, Cássio Sinomar Santana, é coronel do Corpo de Bombeiros.

Todos terão de deixar seus postos até amanhã, provocando um problema sério para a gestão de João Campos na capital.

A prefeitura informou que “atualmente conta com 112 servidores cedidos pelo Governo de Pernambuco, dos quais 35 atuam em funções decisórias da administração municipal, a exemplo do alto comando das áreas de Educação, de Finanças e de Saúde. A Prefeitura está, neste momento, oficiando as solicitações para a renovação das cessões desses profissionais. A gestão recifense compreende que o governo estadual terá a sensibilidade necessária para garantir que atividades tão essenciais para a cidade não sofram descontinuidade”.
O que diz o Governo do Estado

Procurei a secretaria executiva de Imprensa do Governo do Estado desde a tarde de terça-feira (3 de janeiro), mas não obtive retorno antes do fechamento deste texto. Assim que houver resposta, a atualização será feita com reprodução integral dos esclarecimentos da equipe da governadora Raquel Lyra.

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