Ato golpista promovido por apoiadores de Jair Bolsonaro na Região Metropolitana de Florianópolis (SC). Foto: Anderson Coelho/AFP

Por Thiago Modenesi

Após o resultado do pleito no último 30 de outubro de 2022 fica claro que os próximos livros de História serão escritos por historiadores e não por youtubers, e que estes terão que registrar o lamentável e bizarro episódio dos protestos de golpistas antidemocráticos que ocupam a frente de quartéis por todo o Brasil nos últimos dez dias, pedindo intervenção militar e ferindo a democracia e a Constituição.

Nós brasileiros parecemos ter voltado ao estado de bom-humor que éramos conhecidos há mais de um século e acabamos vez por outra vendo algo cômico nos exageros perpetrados por figuras exóticas como o “patriota do caminhão” ou os vídeos que circulam nas redes sociais que mostram pessoas aos prantos, marchando ou passando todo tipo de mico na frente dos quartéis, ou até mesmo sendo atirado para fora de um deles, como registrado por câmeras de celulares em busca de mais absurdos...

Mas o que está acontecendo, na sua essência, não tem graça nenhuma. Apesar de estarmos analisando algo recente, que ainda ocorre, sem um distanciamento temporal que nos permita melhor percepção, algumas coisas vão se cristalizando.

Em primeiro lugar, o ódio ao comunismo, a esquerda, ao Lula e similares é muito maior do que o apoio dessa trupe ao presidente Bolsonaro, eles se movem por esse ódio, contra aqueles que identificam como inimigo de classe, de culto e afins... Isso é reflexo de como esse grupo foi edificado, alimentado regiamente na base de mensagens de whatsapp que privilegiavam o conflito, a negação do diferente, a mentira, a intolerância e o combate a algo, alguém ou alguma coisa. Tal formato levou a que essa turma perdoasse atitudes estapafúrdias de Bolsonaro, fizesse vista grossa a acusações seríssimas, negasse pautas que defendiam... tudo em nome da derrota do tal inimigo...

Ao perderem, entraram em desespero. Não havia margem para derrota na maneira que foram adestrados, o roteiro não tinha essa brecha, essa opção. Então era preciso seguir o roteiro, e quem se desviasse dele ficava pelo caminho, inclusive o Bolsonaro se preciso for.

Parece claro que essa fatia radicalizada do bolsonarismo não corresponde nem a 20% dos que seguiam o presidente, o grosso deles colocaram a viola no saco, tiraram os perfurados dos vidros traseiros de seus carros e são vistos aqui e ali resmungando com os seus amigos correligionários. Esse tipo de golpistas são algo novo na nossa política, ao menos nesse formato e com essa radicalização, o próprio Bolsonaro tentou algumas vezes em seu mandato impetrar um ataque aos demais poderes e até mesmo um autogolpe, sem sucesso, não tinha força e apoio para tal.

Outra coisa chama atenção, os que ocupam os quartéis tem financiamento, seguem uma estrutura organizada, alimentada por pix e comandada por redes de whatsapp e telegram que cruzam nosso território, com mentiras e gatilhos que os motivam a se manterem ali, de prontidão. Recebem alimentos de setores do empresariado e estímulos para não irem embora, mas, ao passar dos dias, perdem força na falta de um fato que dê maior capilaridade ou durabilidade. Aqui cabe um registro, lamentável o papel cumprido pela PRF no dia do pleito e depois no combate as paralisações das BRs, servindo como polícia política, similar as que Hitler e Mussolini mantinham.

Só o tempo dirá quanto durará tal movimento, só que a chance de anular o resultado do pleito não é uma bandeira sólida e com perspectivas reais. Lula e o mundo agiram muito rápido para consolidar o resultado democrático conquistado, em menos de 24 horas já tínhamos 88 países reconhecendo, todos os países das Américas inclusive, internamente todos os poderes parabenizando o eleito. Sem apoio externo, com as Forças Armadas sem recursos e sem disposição para aventuras golpistas, pode ser que o Brasil tenha dado o primeiro passo para circunscrever a ultradireita ao seu tamanho real, a apartando em perspectiva de lideranças mais polidas da direita conservadora, a exemplo de Romeu Zema e Tarcísio de Freitas.

Quem sabe se o que vai sobrar ao movimento golpista e antidemocrático de 2022, como pode ser chamado nos livros, seja o adjetivo de página infeliz da nossa História, como cantava Chico Buarque em uma canção...?