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Com pequena margem, sindicalista Pedro Castilho é eleito presidente do Peru

Votação expressiva de Keiko Fujimori expõe a divisão do país e deixa dúvidas sobre governabilidade

Castillo supera a rival Fujimoricom votos das áreas rurais e da população indígena.
Foto: (Gian Masko/AFP)

O candidato de esquerda Pedro Castillo venceu as eleições presidenciais do Peru, após uma contagem que manteve o resultado em suspenso por dias. mesmo sem o resultado final oficial, Castillo se declarou vencedor na noite de terça-feira (8). A dúvida ainda persiste,com a possibilidade de que votos do exterior, onde a direitista Keiko Fujimori tem vantagem, pussa reverter o resultado. No entanto, grande parte dos analistas já consideram certa avitória de Castillo. A acirrada disputa revela um país dividido e coloca imensos desafios para o novo presidente.

O resultado oficial ainda deve demorar, pois há questionamento na contagem de muitas urnas, que somariam mais de 200 mil votos e a diferença é menor, dando margem a uma nova reviravolta. Com 99,795% das atas eleitorais apuradas, o órgão oficial eleitoral do país (Onpe), o ex-professor aparecia com vantagem de 71.664 votos, somando 50,2% dos votos contra 49,8 para Keiko. O Onpe pediu cautela e afirmou que a disputa permanece aberta, mas analistas acreditam que a vitória de Castillo é irreversível.

Como nas três últimas eleições presidenciais no Peru, quase tão acirradas como a atual, a apuração oficial demora por conta dos votos das zonas rurais, das áreas de selva e do exterior, onde estão registrados 1 milhão de eleitores.

No exterior, Fujimori tem até o momento 66,48% dos votos, contra 33,51% do candidato de esquerda, com 89,47% destas cédulas apuradas. "Mas reverter a diferença será muito difícil, devem faltar mais votos por contar do Peru que do exterior", declarou o analista Hugo Otero.

O analista se refere ao fato de que o Onpe ainda precisa contabilizar pouco menos de 2% das urnas do Peru, a maioria de zonas remotas que podem representar mais votos para Castillo que aqueles que ainda faltam do exterior. "Acredito que Castillo vai ganhar, mas temos que esperar até que o Onpe anuncie o resultado oficial", disse Otero.

Na noite de terça, em mensagem para simpatizantes na sede do partido Peru Libre, no centro de Lima, Castillo disse que seus observadores consideram certa a vitória no segundo turno. Ele pediu a seus seguidores que não caiam em provocações.

"Seremos um governo respeitoso da democracia, da atual Constituição e faremos um governo com estabilidade financeira e econômica", disse Castillo na terça-feira à noite. "Quero expressar em nome do povo peruano às personalidades de diversos países que, essa tarde, expressaram saudações ao povo peruano", acrescentou, em referência a mensagens de "embaixadas e governos da América Latina e de outros países".

Virada na apuração

Pouco depois do fim da votação no domingo, a filha do detido ex-presidente Alberto Fujimori liderava a apuração, mas com o avanço da contagem dos votos Castillo se aproximou e virou o resultado: na terça-feira à noite a vantagem era de mais de 100 mil votos.

Com a possibilidade de derrota – a terceira disputada pela candidata – Keiko denunciou "indícios de fraude" no processo eleitoral de domingo (6). "Há uma intenção clara de boicotar a vontade popular", disse Fujimori, pedindo que denúncias de casos semelhantes sejam compartilhadas nas redes sob o slogan #FraudeEnMesa. "Não é que estejamos preocupados com a nossa candidatura, é com a defesa do futuro do nosso país", disse.

Entre as acusações de Fujimori, estão a impugnação de atas que supostamente demonstrariam sua vantagem e a fraude de 87 cartões de identificação por parte de um funcionário do partido Peru Libre. Fujimori apresentou fotos e vídeos para respaldar sua denúncia. Eles não tiveram sua veracidade comprovada até o momento. "Agora as impugnações (de atas de mesas de votação) passam a ser cruciais" para decidir a eleição, declarou a cientista política peruana Jessica Smith.

O Onpe nega a possibilidade de fraudes, assim como a Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA), que classificou o processo de normal e transparente. A OEA, inclusive, parabenizou o Peru pela disputa em segundo turno, que a entidade considerou "transparente", segundo o chefe da missão da instituição, Rubén Ramírez. A presidente da Associação Civil Transparência, Adriana Urrutia, declarou ao jornal El Comercio: "não há nenhuma evidência que nos permita falar de fraude eleitoral".

A história se repete

Enquanto os partidários de Castillo começam a cantar vitória, quase 200 seguidores de Fujimori, em sua maioria das classes média e alta de Lima, se reuniram na terça-feira diante da sede do Onpe para denunciar "fraude".

"Mentiras, mentiras, mais do mesmo: O fujimorismo", afirma o título de um comunicado divulgado pelo partido de Castillo, no qual destaca que "não é um segredo a antiga prática do fujimorismo sobre fraudes eleitorais". Entre outras coisas, o partido de Castillo recorda "a vingança da senhora Keiko Fujimori por não aceitar os resultados do ano de 2016", quando perdeu a votação para Pedro Pablo Kuczynski por uma margem estreita (50,12% contra 49,88%). Após a impugnação da época das atas, o Onpe demorou sete dias para declarar seu rival oficialmente presidente do Peru.

Segundo o jornal La República, porta-vozes dos dois partidos afirmavam que o resultado será respeitado. O mesmo diário, porém, diz que Keiko pretende insistir que houve fraudes e pensa em buscar anular a disputa na Justiça local.

Incertezas

A incerteza aumenta em um país abalado por crises políticas que resultaram em quatro presidentes desde 2018, três deles em apenas cinco dias em novembro do ano passado. As eleições deixaram evidente que o país não tem apenas uma disputa política, mas também entre Lima e o interior do país, relegado por séculos e muito afetado pela recessão econômica provocada pela pandemia. Na região andina de Cusco, a antiga capital do império inca, Castillo recebeu 83% dos votos, e em Puno, às margens do lago Titicaca, 89%. Nestas áreas predominam as populações quechua e aymara, respectivamente.

Em todo o país, 75% dos eleitores registrados votaram no domingo mais que os 70% do primeiro turno em abril. Na ocasião, Castillo ficou em primeiro lugar na disputa (com 2,7 milhões de votos, 19%), enquanto Fujimori teve 1,9 milhão de votos. Na segunda parte da disputa, o professor de esquerda liderou as pesquisas nos primeiros 15 dias, mas a conservadora conseguiu ultrapassá-lo na reta final.

O segundo turno parece longe de acabar com os distúrbios políticos dos últimos quatro anos. O Peru teve quatro presidentes desde 2018, três deles em cinco dias de novembro de 2020. As denúncias de fraude embolam ainda mais a eleição presidencial e ampliam o clima de instabilidade política no país.

"A crise é interminável. Os observadores atestam que a eleição foi limpa. Mas, o que é pior de tudo, é ter o resultado muito apertado, ou seja, uma sociedade muito dividida, que não abre espaço para o diálogo", afirma Moisés Marques, coordenador de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp).


AFP/Agência Estado/Dom Total

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