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Terceira onda de covid-19 será mais grave com vacinas atrasadas, falta de isolamento e gripes de inverno, projetam especialistas

“Ainda não enfrentamos a propagação intensa e simultânea de diferentes gripes comuns a essa época do ano”, avisa epidemiologista. Projeção da Universidade de Washington indica que o Brasil poderá chegar à 750.000 mortes até o fim de agosto

Voluntário em ato da ONG Rio de Paz, em Copacabana, em protesto pelos 400.000 mortos pela covid-19 no Brasil, em 30 de abril.
Foto: ANTONIO LACERDA / EFE

Depois de ter em abril seu mês mais letal da pandemia de covid-19, o Brasil passou por um momento de alívio ao desafogar seus hospitais nas duas primeiras semanas de maio, quando a média móvel de óbitos caiu em 19% —na última segunda-feira (17), as 786 mortes divulgadas pelo Ministério da Saúde consistiram no menor número diário desde março. No entanto, dados mais recentes, como o aumento de ocupação nas UTIs de São Paulo e a redução do isolamento social, apontam que a terceira onda já pode estar no horizonte do país mesmo sem que exista a certeza de que a segunda acabou. Com o ritmo lento e irregular da vacinação, a flexibilização das atividades e a circulação de outras viroses respiratórias no inverno em parte do país, especialistas preveem um recrudescimento da pandemia ainda mais grave nos próximos meses.

Uma projeção feita pelo Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação da Universidade de Washington, nos EUA, indicou que o Brasil poderá chegar à marca de 750.000 mortes por covid-19 até o fim de agosto, caso não acelere o ritmo de imunização. No pior cenário projetado pelo Instituto americano, que é usado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) —braço latino-americano da Organização Mundial da Saúde (OMS)—, onde as pessoas vacinadas deixariam de usar a máscara, o país alcançaria 940.000 mortes até o fim de setembro. Até hoje, o Ministério da Saúde registra 439.050 mortes pelo vírus entre quase 16 milhões de casos confirmados.

Uma pesquisa feita entre os dias 11 e 17 de maio pelo SindHosp, o Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo, corrobora com as projeções feitas pelos analisas norte-americanos. Segundo ela, 85% dos leitos de UTI em hospitais privados do Estado estão com 80% ou mais de ocupação —em 30 de abril, 79% das entidades tinham a mesma ocupação. Entre os mais lotados, 39% possuem mais de 90% de ocupação. Nas contas do Governo paulista, as UTIs de São Paulo registraram 78,5% de ocupação nesta terça-feira (18). Depois de ultrapassar os 80% em abril, os leitos estaduais ocupados abaixaram para 78,2% no dia 3 de maio e, desde então, não reduziram mais. “Conforme o tempo passa, é natural que as pessoas se cansem das medidas de prevenção por esgotamento psicológico, necessidades econômicas ou a sensação de que o cenário está mais tranquilo. Isso leva ao aumento desses números”, explica Alexandre Cunha, infectologista do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo. No mesmo levantamento do SindHosp, 58% dos hospitais privados disseram ter estoque de medicamentos para intubação de pacientes para no máximo 15 dias.

Antonio Silva Lima Neto, médico epidemiologista da Universidade de Fortaleza, esclarece que, para entender um novo agravamento, é preciso atestar que a segunda onda se diferenciou da primeira pela sincronicidade da pandemia em todas as regiões do país. “Enquanto a onda de entrada trouxe picos em momentos diferentes do ano passado de acordo com cada região, a segunda foi marcada por uma explosão de casos e mortes, desde meados de dezembro até abril, em todo o país”, explica ele, “por conta da variante P1 [de Manaus], que provocou surtos de hospitalizações com um deslocamento da faixa etária por ser uma cepa mais contagiosa e com uma taxa de reinfecção maior. Por isso se falava em lockdown nacional em janeiro, por exemplo, quando fazia sentido frente a um crescimento simultâneo e nacional da transmissibilidade”.

Agora, o especialista deixa claro que ainda não há indicadores com o mesmo movimento claro de crescimento, mas que essa deve ser a tendência para os próximos meses. “Temos algumas características que vão favorecer um recrudescimento dos casos. Entre elas, a combinação de vacinação lenta e irregular com diminuição drástica do isolamento. Isso é um casamento trágico”, ressalta. Ele ainda acrescenta que a vacinação, da forma que está sendo feita, pode inclusive favorecer o surgimento de novas variantes ainda mais letais e contagiosas, já que uma grande quantidade de vírus continua circulando e pode se alterar. “Mas entendo que isso nem seria necessário para uma terceira onda —não me arrisco a dizer que saímos da segunda—, já que a proporção de vacinados é muito pequena e as pessoas com menos de 50 anos, que são metade dos internados no país, ainda não constam nos grupos imunizados”, afirma. Até esta quarta-feira (18), cerca de 17,5 milhões de brasileiros haviam recebido duas doses da vacina contra a covid-19, o que corresponde a 8,3% da população. ““O intervalo entre as ondas é bem variável, então é possível ter um crescimento de casos [um pico] tão grande quanto o último, entre abril e maio, apenas um mês depois dele”, concorda Cunha. “Se não for possível vacinar uma parcela expressiva da população, é quase inevitável ter uma terceira onda de dimensões assustadoras”, completa.

El País Brasil

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