Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados |
Por Raul Henry
Apresentei, na sexta-feira (27/02), uma emenda à MP 1031/2021, que dispõe sobre a desestatização da Eletrobrás, solicitando a exclusão da Chesf do processo. Entendo que o Rio São Francisco é fundamental e insubstituível à sobrevivência e ao bem-estar de toda a população do semiárido nordestino.
A Região Nordeste do Brasil é, reconhecidamente, a região mais pobre do país. Há um século, desde que são contabilizados os dados da economia brasileira, a renda per capita da sua população não ultrapassa a 50% da renda per capita nacional.
Um dos fatores determinantes para essa situação econômica é o grande território semiárido que ocupa 65% da área do Nordeste. Nele residem, aproximadamente, 27 milhões de brasileiros, o que o torna o semiárido mais povoado do mundo. É nesse cenário, territorialmente vasto e de elevada densidade demográfica, que se apresenta o grande obstáculo ao desenvolvimento das atividades produtivas na região: a falta de água.
A única fonte regular de abastecimento de toda essa população é o Rio São Francisco. Todas as outras bacias hidrográficas dessas terras são intermitentes. Por essa razão, a água do São Francisco é um bem precioso, escasso e de indiscutível interesse público.
Nesse contexto, seu uso deve atender prioritariamente ao abastecimento humano, à dessedentação dos animais, à agricultura irrigada e às atividades econômicas em geral, quase sempre dependentes do acesso às fontes hídricas.
O Rio São Francisco, portanto, é fundamental e insubstituível à sobrevivência e ao bem-estar de toda a população do semiárido nordestino. Quanto à geração de energia elétrica, essa deve ser a última finalidade da água do rio.
Esse diagnóstico torna-se mais grave com as prolongadas secas das últimas décadas. O Lago de Sobradinho, por exemplo, foi projetado para regularizar uma vazão de 1.850 metros cúbicos por segundo, mas passou os últimos anos com a vazão média entre 600 e 800 metros cúbicos por segundo.
Acrescente-se a isso que o Nordeste é a grande fronteira brasileira na expansão da geração de energia eólica e solar, o que certamente se constituirá em mais um ativo econômico dessa sofrida região.
Para reforçar o argumento da água como bem mais valioso das sociedades contemporâneas, é importante registrar que países que são referência de liberalismo econômico mantêm sob o controle do Estado grande parte da sua geração hidrelétrica. O melhor exemplo talvez seja o dos Estados Unidos, onde esse percentual de controle, apesar de não ser o mais elevado do mundo, chega a 74%. A água, como se pode ver, é um bem público cada dia mais escasso e suscetível a conflitos sociais que só o próprio Estado pode mediar.
Em razão do exposto, não faz o menor sentido entregar a gestão do fluxo da água do Rio São Francisco à iniciativa privada.
Quanto ao argumento de que é a Agência Nacional de Águas (ANA) que regula essa gestão, todos sabemos como se dá o processo de ingerência e captura política nas agências reguladoras do Brasil. Não é recomendável, portanto, inserir mais um agente privado interessado no fluxo dessa água. Isso, certamente, vai gerar mais tensão e perturbação em um ambiente de tanta escassez hídrica.
Em relação à obrigação prevista na MP, da realização de investimentos de R$ 350 milhões por ano, em um período de 10 anos, na revitalização do rio, que caberia à concessionária privada, também há uma proposta alternativa. O encargo passará a ser da própria Chesf. Para isso, a emenda prevê o investimento de 50% do resultado líquido anual da empresa nessa finalidade, mais do que justa, pelos próximos 20 anos. A partir de dados de fontes técnicas respeitáveis, é possível projetar para a Chesf um faturamento bruto em torno de R$ 5 bilhões por ano. Ainda segundo essas fontes, desse faturamento é plausível obter um resultado líquido de, aproximadamente, R$ 500 milhões anuais. Assim sendo, o investimento anual na revitalização do rio seria de algo em torno de R$ 250 milhões. Considerando o alongamento do prazo de 10 para 20 anos, a demanda estaria plenamente contemplada.
Por fim, reforço que a gestão das barragens do São Francisco e dos seus estoques de água deve ser feita para atender aos interesses primordiais da população do Nordeste. Ou seja, o abastecimento humano e a geração de emprego e renda. Logo, não pode ser submetida à pressão pelo aumento do fluxo da água, que é o único fator determinante na remuneração do capital do agente privado que viesse a vencer o certame.
Deputado federal e presidente do MDB de Pernambuco
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